sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Fotógrafo ganha na Justiça o direito de selfie tirada por macaco

Por Helder Miranda
Em janeiro de 2016

Sexta-feira, 8 de janeiro, "Dia do Fotógrafo" e um caso curioso e recente, diretamente relacionado à data, já que a maior polêmica relacionada ao mundo fotográfico terminou de maneira favorável a nós... humanos! 

O fotógrafo David Slater ganhou na Justiça o direito de uma fotografia tirada pelo macaco Naruto, da espécie Macaca Nigra, na câmera dele, em 2011. Explico: em uma expedição em uma reserva na ilha indonésia de Sulawesi, o primata retirou de um tripé a câmera fotográfica do fotógrafo e fez uma selfie, que ficou famosíssima e percorreu o mundo. 

O profissional, que afirmou ter levado três dias  para registrar a imagem, que percorreu o mundo, disse que era dono da imagem, mas ativistas ativistas do grupo Peta (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) queriam administrar a renda da publicação da foto em prol do macaco, de seis anos. Slater ressaltou que, antes da foto, precisou ser aceito por um grupo de macacos para que eles permitissem chegar perto o bastante para deixar a câmera. Além disso, para fazer a foto, ele se certificou de que a luz e o contraste da câmera estavam ajustados corretamente o que, para ele, seria o suficiente para provar que o direito à imagem tirada pelo macaco era dele.

Outro argumento utilizado pelo fotógrafo foi o de ter perseverança, pois afirmou ter permanecido deitado com pelo menos dois filhotes de macaco em cima dele, e ainda precisou se recuperar de algumas feridas causadas por um macaco macho, que o atacou várias vezes pois acreditava ser ele, o humano, um rival.

A primeira solicitação foi negada ao fotógrafo pelo órgão de direitos autorais dos Estados Unidos e, em segunda instância, a Justiça tirou o direito do macaco e concedeu ao dono da máquina, já que primata nenhum pode ser dono de uma selfie

Há quem diga que há poucas causas para esses protetores de animais abraçarem, pois já que estão lutando por uma foto, é sinal de que não há causa mais relevante para abraçar e, por isso, pensam em chamar o "Sindicato dos macacos" para recorrerem à questão. 

Particularmente, eu acredito que "o macaco 'tá' certo". A selfie é dele mesmo, já que foi ele quem tirou, mas, para tratar esse impasse com parcimônia, um belo cacho de bananas resolveria o problema e deixaria o macaco extremamente satisfeito.

Esta é a selfie da discórdia

Originalmente publicado no portal Resenhando.com.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

6 de janeiro não é o dia em que se desmonta o presépio

Em 6 de janeiro, os três Reis Magos presentearam Jesus e iniciaram a tradição de presentear no Natal
Por Helder Miranda
Em janeiro de 2016

Para quem comemora as festividades natalinas, em muitos lugares do mundo, 6 de janeiro, o sexto do ano no calendário gregoriano, é o dia em que a maioria pensa que se desmonta o presépio e, adaptando para a realidade brasileira, as árvores de Natal. 

Apesar de muita gente acreditar que deve desmontar o presépio e a árvore de Natal no "Dia da Epifania", mais conhecido como "Dia de Reis", a data certa para desmontar o presépio corretamente é sempre no dia seguinte à Solenidade do Batismo de Jesus, quando se encerra o Tempo do Natal. Esta é uma solenidade sem data fixa e, em 2016, a "Festa do Batismo do Senhor" será no domingo, 10 de janeiro, dia em que começa o Tempo Comum na Liturgia. 

Livro espírita foi lançado em 6 de janeiro de 1868
Saindo da esfera religiosa, 6 de janeiro também foi pano de fundo para acontecimentos ao redor do globo terrestre, como a publicação do livro "A Gênese", de Allan Kardec, em 1868, a estreia da primeira turnê da banda Rolling Stones no interior da Inglaterra, em 1964, a introdução ao mercado do iPod mini pela Apple, em 2004, e a vandalização da obra "Fonte", um urinol de porcelana branco e uma das obras mais representativas do dadaísmo na França, criada em 1917 pelo artista Marcel Duchamp que, em 2006, no Centro Pompidou, em Paris, levou marteladas de um francês de 77 anos, mas sofreu apenas escoriações leves.

Em 6 de janeiro de 1964, Rolling Stones estreava primeira turnê de todas
Dia 6 de janeiro marca, também, o aniversário de fundação das cidades brasileiras Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, Criciúma, em Santa Catarina, Itapuranga, em Goiás, Paraibano, no Maranhão, e Morro Agudo, em São Paulo. Em comemorações, 6 de janeiro também marca presença com a Festa de São Benedito Iguape, em São Paulo, é a Parada dos bombeiros de Tóquio, no Japão.

Dia 6 de janeiro também é consagrado à Senhora do Destino, na mitologia celta e, voltando à data cristã, em países como a Rússia e Etiópia, na África, é a comemoração do próprio Natal. Em outros, como a Espanha, é chamado "Dia de Reis", quando as crianças, que esperam da véspera ou o próprio Natal, dias 24 e 25 de dezembro, como em algumas nações, até essa data, finalmente recebem os presentes, pois quem os entrega não é "Papai Noel", mas os três reis magos Melchior, rei da Pérsia, Gaspar, rei da Índia, e Baltazar, rei da Arábia que, segundo consta, poderiam ser astrônomos, pois observaram uma estrela incomum e a seguiram até a região em que estava o recém-nascido Jesus

Obra de 1917 foi vandalizada em 6 de janeiro de 2006
Ofereceram a ele, ouro - simbolizando a realeza de Jesus, incenso - representando a Natureza Divina, a fé, já que o incenso era muito usado nos templos para representar as preces que seguem do Homem para Deus - e mirra -  a imortalidade e a alusão à futura morte de Jesus no martírio, pois mirra utilizada para a preparação dos cadáveres, com o propósito de conservá-los para sempre. A mirra, inclusive, foi utilizada o corpo de Jesus após Ele ser crucificado. Dos três magos, foi herdada a tradição de dar presentes uns aos outros no Natal. É também um momento de oração, para algumas pessoas exercerem suas percepções religiosas. Enfim, um ritual para começar bem o ano.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Estado de Euforia


Por Helder Miranda
Em outubro de 2015

Certa vez, ele disse a uma amiga que entendo o que é sentir dor. Mas disse de maneira pouco convincente, porque nunca gostou de drama ou nada que tornasse os outros muito atentos ao que estava sentindo. De alguma maneira,  sempre foi o sensato, o equilibrado, aquele que não tinha problemas.

Não deveria ser assim, e ele sabia disso, mas o que incomoda nele era justamente esse estado de euforia em que estava, e ficava, às vezes, porque sabia que no dia seguinte era só vazio. Porque pensava que talvez existisse mesmo essa ressaca pós-felicidade exacerbada, desmedida, louca como ele. Ou se essa tristeza absoluta e abandonada seria sempre parte apenas do seu ser.

Deveria pensar que as pessoas eram felizes e ponto, sem muita reflexão, e ficavam tristes sem muito drama. Ele, não. E desde pequeno sempre foi assim. Não titubeava em trocar a felicidade dele pela de qualquer pessoa que estivesse necessitando. Como daquela vez em que assumiu a culpa pelo amigo gordinho que estava com fome e roubou o dinheiro para comprar um salgado na cantina. Diante do menino que chorava com medo de apanhar em casa assumiu a culpa e depois contou para a mãe, que chorou por ele e pediu que compreendesse que ser bom era diferente de ser bobo dos outros. Anos depois, muitos, encontrou aquele gordinho, muito maior, e não foi lembrado por ele. Era a versão masculina da Geni buarqueana, muitas vezes mal interpretado.

Gostaria de não sofrer tanto pelas dores do mundo, pelas dele, pela dos outros, porque era um poço sem fundo de culpas e sentimentos. Tudo o abalava tudo o fortalecia: "Oscilações", ele disse, enquanto fitava o estilete diante do espelho.

Sangue, depois de um dia de intensa felicidade sem um motivo aparente, tomado por uma sentimento de inadequação, de timidez exacerbada, de medos de coisas ruins que poderiam hipoteticamente acontecer e só não seriam concretizados se ele fizer alguma coisa para romper essa sequência de tragédias possíveis em sua mente.

Ser enterrado vivo ou soterrado, ter a cabeça esmagada por um ônibus, ser partido ao meio por um poste, levar um tiro na testa, ser eletrocutado por um fio elétrico de alta tensão, ser esfaqueado no estômago por um desconhecido que passa a seu lado, cair de uma montanha russa em um carrinho descarrilado, perder uma das pernas, ficar tetraplégico, ter algum familiar assassinado... Tudo o apavorava, porque sentia que coisas ruins podem ocorrer a qualquer momento.

E para evitar isso, desligava a televisão no exato momento em que uma palavra boa fosse dita, sairia do banho se o número de minutos debaixo do chuveiro forem pares, iria dormir se um carro de determinada cor passasse na rua. E às vezes lidar com esse turbilhão de coisas, quando a vida parece não dar trégua, soava um pouco mais complicado para ele.

O jeito era aproveitar a euforia, enquanto fazia a barba com o estilete e tirou de si um filete de sangue. Considerou até divertido aquele vermelho colorindo o branco de sua pele. Mas naquele dia, especialmente, estava conectado com uma espécie de "duende interior", muito mais carismático, carinhoso, sorridente, gentil e otimista com todos e com a vida que segue. Porque sempre vem o dia seguinte, ainda bem, enquanto estivesse vivo. Mas o dia seguinte chegou, e ele estava bem, assim como um dia depois e outro. Então, teve de se habituar com a felicidade.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O Big Brother Brasil ainda é uma paixão nacional?

Por Helder Miranda
Em setembro de 2015

Com nítidos sinais de esgotamento de fórmula, a 15ª edição do Big Brother Brasil, no início deste ano, estreou com 24 pontos de audiência na Grande São Paulo, segundo o Ibope. É pouco, perto dos 49 pontos da primeira edição do programa em seu dia de estreia, e abaixo dos 30 pontos da edição anterior e até dos 25 pontos do malfadado BBB13, até então o pior em audiência.

É, sem sombra de dúvidas, o programa mais amado e odiado da TV brasileira que, em 2015, apostou em “pessoas comuns” para adiar por mais tempo o que, percebe-se, é inevitável: o esgotamento da fórmula.

Promovido a diretor de entretenimento diário e de realitys da Globo,  Boninho não acompanhou a última edição, que foi para as mãos de Rodrigo Dourado, que preferiu corpos comuns e mente aberta aos modelos das edições anteriores.

O desafio da 16ª edição é reconquistar patrocinadores e público, afugentados pelo baixo nível dos participantes que passaram pela casa mais vigiada do Brasil e suas conversas com pouco, ou nenhum, conteúdo. Para tristeza dos quem torcem o nariz e alívio dos admiradores, a notícia de que Boninho anunciou o fim do programa não passou de boataria. E a Globo segue firme e forte no propósito de manter o programa um sucesso comercial e de audiência, afinal detém os direitos do programa até 2018.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Os sonhos abandonados pelo caminho


*Helder Miranda

De todas as minhas despedidas, dos meus lamentos ou projetos deixados de lado, até mesmo dos sorrisos forçados nas fotografias digitais, o que mais me choca, ainda assim, sempre são os sonhos, quando abandonados pelo caminho.

Li, em Uma Longa Queda (Rocco), de Nick Hornb, uma informação que, verídica ou não, me marcou: se todos esperassem três meses, no auge da ideia de tirar a própria vida, todos desistiriam de se matar. No livro, quatro pessoas se encontram por acaso no terraço de um dos maiores prédios de Londres, na noite de ano-novo, com a intenção de se atirar. Sem determinação suficiente para pular, procuram alguma desculpa para adiar a morte.

Destino diferente teve a escritora Cibele Dorsa, que comunicou pelo Twitter o próprio suicídio, antes de se jogar do sétimo andar de um edifício na Zona Sul de São Paulo. Não foi a primeira vez que ela divulgava, nas redes sociais, acontecimentos fúnebres. Meses antes, seu noivo, Gilberto Scarpa, morreu em circunstância idêntica, e ela postou, no Facebook, o ocorrido. Vários seguidores “curtiram” a informação de que o rapaz, de 27 anos, havia se matado. Não havia sinais de tragédia iminente numa mulher que lançava livros de autoajuda, como Homens No Bolso, era vaidosa a ponto de ilustrar seus livros com uma bonequinha idêntica a ela, e posava nua. Engano.

Por trás da falsa euforia, talvez existisse uma carência extremada em ser aceita. E, pode ser que, também, um abismo tão desolador que talvez ela mesma não soubesse lidar. Como Virgínia Wolf, escritora britânica que encheu os bolsos com pedras e entrou no Rio Ouse, morrendo afogada. Ou a poetisa portuguesa Florbela Espanca, que não resistiu à terceira tentativa, no dia do seu 36º aniversário, com uma overdose de barbitúricos. A boa notícia é que todas sobreviveram nos livros que escreveram. A má é que nem todas escrevem bem.

Leitora assídua de livros na língua original,     Adriana, uma pacata dona-de-casa com inclinações literárias, foi surpreendida por uma piada de Arnaldo César Coelho, enquanto preparava cadeira e cordas para um enforcamento. Diante da televisão, gargalhou tanto que caiu da cadeira e espatifou a televisão.

Pensou algo em torno de "nem para me matar eu sirvo”, mas seguiu em frente, com alguns arranhões. Em uma oportunidade daquelas que ninguém explica, Adriana se aproximou de Arnaldo para contar. “Não me matei por sua causa”, revelou. O herói, incrédulo, respondeu: “isso não tem graça”, e se afastou.   Mas foi assim, e muitas outras histórias como essa também poderiam acabar em uma sonora risadinha. São momentos raros que se apresentam de uma maneira despretenciosa e provam que, às vezes, simplesmente, é preciso deixar para lá e respeitar as coisas como estão.
           
*Editor do site cultural www.resenhando.com. É jornalista, escritor e roteirista. Twitter: @heldermm.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

O destino mais justo para os livros rejeitados

 

*Helder Miranda

Os livreiros dessa cidade não gostam de livros, foi o que pensei ao sair, ressentido, de um sebo... com a pesada pilha que havia levado depois de ter combinado por telefone com o homem que me atendeu. Não eram livros velhos, pelo contrário, eram best-sellers recém-lançados. Mas best-sellers, no planeta desse senhor, não tinham valor.

Evidente que ele, o dono do estabelecimento, sem um dente da frente, queria levar vantagem. E obviamente estava habituado a isso: eu seria apenas mais um. Chamou uma mulher grosseira, que colocou uma série de defeitos em livros, novinhos, e deu sua sentença: “um real em cada, no máximo”, como se estivesse me fazendo um grande favor.

Diante de meu estarrecimento, ele intercedeu: “Compramos Sartre... Você tem Sartre?”, com um sorrisinho sarcástico... e amarelo amarronzado. Sorri timidamente, com a nítida impressão de ter sido, veladamente, chamado de burro. Afinal, “ele lê best-sellers, gosta de literatura açucarada”, foi o que deve ter pensado.

Mas eu, tal qual Clark Kent, estava disfarçado em seu mundo com cores estranhas, e mal sabia ele que, como profissional da escrita, recebo toda a sorte de produção literária. Entre elas, obras que não me interessam. Estava ali não porque precisasse de dinheiro vivo, mas apenas pelo motivo de que em casa, a pilha aumenta a cada dia, e sempre é preciso me desfazer de alguns para abrir caminho para outros: a distribuição em aniversários e datas comemorativas nunca são suficientes.

Era óbvio que ali eu não levava Sartre. Para ser sincero, nunca li esse filósofo, nem concordo com a utopia dele de que intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade – a não ser que a própria arte seja popularizada sem aquele ranço da prepotência que, infelizmentre, ainda existe na intelectualidade.

Tal como aquele homem, outros livreiros estão à espera de um vendedor para comprar por pouco e vender a um custo elevado. Pessoas que precisam diminuir os outros para se sentirem superiores, ou provar conhecimento, mesmo sendo tão inteligentes quanto um prato raso de plástico. Não gosto desse tipinho, que precisa recorrer a teóricos, filósofos e pensadores para comprovar o que pensa, deixando a nítida impressão de que falta opinião própria no mundo pós-moderno.

Naquela tarde com alguns resquícios de água fria, depois de sair da loja sem vender nada, pensei que o destino mais justo para os livros rejeitados seria o de pertencerem a alguém que os quisesse. Foi o que aconteceu. Ao deixá-los, vi, a uma distância razoável, uma senhora e uma menina, levando para casa a sacola bonita que ficou à espera de alguém, protegida da chuva, em algum canto da cidade.  

*Editor do site cultural www.resenhando.com. É jornalista, escritor e roteirista. Twitter: @heldermm.

terça-feira, 15 de março de 2011

Garotos maus fazem boas ações


Talvez você jamais desconfie que fui eu quem mandou aqueles livros. Mas, depois de ver seus olhos tristes na rua, perdendo a cor, e sendo tocado por um cumprimento tão gelado que me fez questionar se algum dia eu atravessei o seu caminho, imaginei que você precisava de algo.



Foi a teoria do passe-adiante, do romance Tributo ao Amor (Best-Seller), de
Catherine Ryan Hyde, que me inspirou – e também deu origem ao filme A Corrente do Bem. O livro, que deve ter influenciado milhares pelo mundo afora, consiste na escolha de três pessoas para ajudar em algo. Em troca, a corrente deve ser continuada, e cada uma deve escolher outras três pessoas a serem ajudadas. 

Não se sinta especial, também já recortei uma foto de girassol e enviei dentro de um envelope não identificado a quem estava triste, já liguei para um desconhecido para alertar sobre um erro de português em seu currículo mas, mesmo assim, cometo pequenas maldades inofensivas: essas me humanizam.

Fazer com que você recebesse livros infantis em sua casa, cheio de ilustrações com cores vivas, poderia preencher com um pouco de vida o acinzentado que percebi em você – e que me contaminou pelo resto do dia. Enviá-los anonimamente foi a maneira de desejar “boa sorte” para que enfrente com bravura o que vem pela frente. Amélie Poulain, do famoso filme francês que começa muito bem e depois fica arrastado,
se engaja na realização de pequenos gestos a fim de tornar mais felizes as pessoas ao seu redor e ganha um novo sentido para a existência.

Garotos maus também fazem boas ações, pensei, enquanto segui com algum livro à tiracolo e a irretocável imagem de bom moço. Mas estou blefando, você não existe e foi usado como um pretexto para citar um livro despretencioso, mas que sempre recorro quando estou triste, e dois filmes que tolero. Em algum canto de minha mente, talvez você seja o personagem imperfeito que está para nascer e quer ser passado para o papel.

Ler sempre me salvou da solidão, escrever ainda me salva de mim. E, cometer boas ações, mesmo eu às vezes sendo tão politicamente incorreto em minha acidez desvalida e pouco divulgada, porque sempre preciso ser doce, faz com que o mundo, talvez só o meu – mas mesmo assim algo que não deve ser ignorado – melhore.  

E continuo andando pelas ruas, fazendo raras boas ações que não vou divulgar porque não há necessidade, percebendo que não sou de pedra e que estou mudado. Para melhor. Você é um sonho bom e eu também. Sempre vai ser assim. Mas chega um momento em que é necessário ir adiante. Seguramente, hoje eu tatuaria em mim a palavra “coragem”.

*Editor do site cultural www.resenhando.com. É jornalista, escritor e roteirista. Twitter: @heldermm.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sobre o homem mais irritante do mundo e suas predileções literárias


*Helder Miranda

         Talvez eu seja o homem mais irritável do mundo, ou o mais irritante. Já fui qualificado como “muito passional, por isso naturalmente engraçado”, mas a percepção que tenho sobre mim mesmo é a de um antissocial educado, que pode ter os pensamentos mais ácidos e, mesmo assim, esboçar algumas frases feitas e gentis.

Os assentos individuais nos ônibus são meus preferidos e, acompanhados de fones de ouvidos que intermediam pelo celular músicas no último volume e um smartphone que me auxilia a comentar, pelo Twitter, coisas inusitadas que acontecem ao meu redor, dão a sensação de uma barreira impermeável entre eu e o mundo fora do que existe dentro de mim.

Sou tão real, e ao mesmo tempo tão inverossímil, que posso ser o antipático ou o melhor amigo, anti-herói distraído ou romântico descuidado, cético ou solitário. Nicky Hornb, em “Como Ser Legal” (Rocco), trouxe para os livros um personagem que escrevia a respeito de suas irritações e depois se regenera, tornando-se um pacificador em relação às coisas rotineiras.

Todos os dias, pela manhã, passo em frente à casa de um senhor, que às vezes está com chapéu de palha. "Bom dia!", eu digo. "Bom diassss", ele responde, com um sotaque arrastado, aparentemente mineiro. É a literatura do meu dia a dia, assim como a àrvore infrutífera na esquina de casa que às vezes imagino cheia de maçãs vermelhas.

Rotina de livros que vão e vem, repleta de encontros noturnos. Desta vez, com Martin Page, escritor francês perito em dramas contemporâneos, autor de Como Me Tornei Estúpido” (ganhador do prêmio literário Euregio-Schüler) e A Gente se Acostuma Com o Fim do Mundo”, publicados  pela Rocco. Leitura de homem.

“Aqui é Clara. Sinto muito, mas prefiro parar por aqui. Vou me separar de você, Virgile. Não quero mais.”, diz a gravação na secretária eletrônica do romance Talvez Uma História de Amor” (Rocco). Depois de ouvir o recado cinco vezes, Virgile não está supreso com o término, mas porque não tem ideia de quem é Clara.

Com evidências de que teve uma suposta ex-namorada, se convence de que tem poucos dias de vida, encerra contratos, escreve cartas de despedida e define últimos desejos, como o de ter as cinzas jogadas em um vestiário feminino. Mas, em uma transformação inesperada, decide recuperar a mulher que desconhece. E é essa a reviravolta que muitos precisam. Nem que seja o simples fato de recuperar o que perderam em si mesmos.